Imagine morar numa cidade famosa pelos sebos e livrarias, ser herdeira de uma antiga biblioteca lendária e... odiar livros. Pois é exatamente assim que começa Whoever Steals This Book, um light novel jovem adulto que mistura fantasia, mistério e drama familiar de um jeito inesperadamente tocante.
Uma protagonista relutante e cheia de camadas
A protagonista, Mifuyu Mikura, vive em Yomunaga, uma cidade obcecada por literatura. Sua família é dona do Mikura Hall, um prédio imponente que já foi uma biblioteca particular, agora fechada ao público. Todo mundo por lá admira os Mikura. Mas a verdade é que Mifuyu detesta livros. E a obra não tenta esconder isso: ela é teimosa, impulsiva e meio rabugenta. Mas é justamente isso que a torna tão real e fácil de se apegar.
Ao longo da trama, um roubo em Mikura Hall libera uma estranha "maldição dos livros" que começa a transformar a cidade inteira em cenários literários. Mifuyu, contra sua vontade, acaba sendo transportada para dentro dessas histórias. A cada novo mundo, mais camadas da personagem vão sendo reveladas, principalmente quando ela conhece Mashiro, uma garota (ou seria um cachorro?) que vira sua companheira de jornada e primeira amiga de verdade.
Um livro sobre livros, mas com emoção de verdade
Apesar de parecer uma daquelas fábulas sobre "descobrir o amor pela leitura", Whoever Steals This Book vai muito mais fundo. A história explora a relação complicada de Mifuyu com sua família, especialmente com sua avó obsessiva por preservar a biblioteca, e mostra como o legado dos Mikura é um peso que ela nunca quis carregar. A avó, mesmo já falecida, paira como uma presença opressora e simboliza uma geração que prioriza tradição acima da felicidade.
Mashiro entra nesse cenário como uma figura que traz leveza e conexão emocional. É com ela que Mifuyu aprende a confiar, questionar e até se abrir para os livros que tanto detestava. O vínculo entre as duas dá ritmo ao início da narrativa, que segue uma estrutura meio "capítulo da semana", onde cada novo mundo literário traz um desafio, uma pista e um momento de crescimento.
Mistérios, drama familiar e uma pitada de metalinguagem
Na segunda metade, a estrutura muda e o foco vai para o mistério maior envolvendo a maldição, o passado da família Mikura e o verdadeiro significado por trás dos livros roubados. O drama familiar ganha mais força e o ritmo fica mais acelerado. Embora alguns antagonistas tenham motivações bem rasas (e uma mensagem moral meio óbvia sobre furto de livros), o emocional é bem conduzido e o desfecho fecha com chave de ouro.
A escrita da autora Fukamidori varia bastante: começa lenta, meio repetitiva, mas cresce bem conforme a ação e o mistério se intensificam. Um destaque é a forma como o estilo muda de acordo com o gênero do livro "invadido": tem trecho com cara de realismo mágico, outro estilo noir com frases duronas, e por aí vai. Infelizmente, essas mudanças estilísticas somem quando Mifuyu entra na história de fato, o que é uma pena — dava pra brincar ainda mais com isso.
Vale a pena?
Apesar de um começo um pouco arrastado e alguns clichês no meio do caminho, Whoever Steals This Book surpreende pela mistura de aventura, mistério e desenvolvimento emocional. No fim, é um livro sobre conexão, memória e sobre como nós herdamos coisas que nem sempre pedimos — e o que fazemos com isso.
Se você curte histórias com viagens entre gêneros, protagonistas imperfeitas e aquela dose de emoção que chega de fininho, esse livro pode ser uma ótima surpresa.
Nota final: 8/10
Protagonista cheia de camadas, cenas de ação bem conduzidas, drama familiar que toca. − Alguns vilões rasos, descrições meio engessadas, moralismo leve no meio do caminho.