Existem mangás que nos conquistam pela trama, outros pela arte. E, às vezes, aparecem obras que brilham justamente pela união perfeita entre esses dois elementos. Luciole Has a Dream é um desses raros casos. Publicado em inglês pela primeira vez com tradução de Taylor Engel e letreiramento de Chiho Christie, o primeiro volume nos apresenta a uma narrativa contemplativa, melancólica e absolutamente hipnotizante.
Acordar em um mundo esquecido
A história começa de forma claustrofóbica: Lu desperta preso em uma cápsula de sono profundo, sem memória e sem entender onde está. Seu grito é ouvido por Claude, um homem misterioso que afirma ser um mago de mais de 500 anos e que, aparentemente, é o único outro humano desperto na Terra.
Logo percebemos que o planeta foi tomado pela natureza. Prédios agora são cobertos por vinhas, ruas desapareceram sob árvores e o tempo parece ter apagado quase todos os rastros da civilização. Mas o mais interessante é que o mangá não te entrega essas informações prontas. Cada página exige observação. Morikawa, a autora, brinca com os detalhes: o que parece um amontoado de folhas pode, na verdade, ser um carro abandonado. Isso convida o leitor a investigar junto com Lu, como se estivéssemos explorando o mundo com ele.
Lu e Claude: companheiros por necessidade, e talvez por algo mais
Lu, um garoto que aparenta ter cerca de 10 anos, segue viagem com Claude, ainda tentando entender seu passado. Ele sequer tem certeza de que “Lu” é seu nome real — e talvez nem seja, mas os indícios apontam para “Luciole”, que significa “vaga-lume” em francês. O simbolismo não passa despercebido: em um mundo escuro e solitário, Lu se torna uma pequena luz.
Claude, por outro lado, carrega a tristeza de quem viu tudo desaparecer. Ele vê sombras gigantescas, figuras que Lu não consegue enxergar, apenas pequenas luzes que Claude chama de vaga-lumes — e que talvez sejam almas perdidas. Essa dualidade entre o que cada um vê e sente dá um tom poético à história.
Silêncio que fala mais do que palavras
Grande parte do volume é composta por momentos de contemplação. Lu anda sozinho por ruínas, conversa consigo mesmo ou simplesmente observa. Pode parecer monótono, mas a arte preenche qualquer ausência de ação. Cada quadro é carregado de sentimento. A obra não se apressa. E nem deveria. Luciole Has a Dream é uma jornada introspectiva, não uma corrida até a linha de chegada.
Quando finalmente outro personagem é acordado, Bruno — um dos engenheiros responsáveis pelas cápsulas —, a história nos dá pistas sobre o passado, mas nunca entrega tudo. E tudo bem. A proposta aqui é o mistério, a sensação de estar sempre descobrindo algo novo, por mais que o cenário esteja em ruínas.
Uma obra para ser sentida, não apenas lida
Se você está em busca de batalhas épicas, grandes reviravoltas ou um ritmo acelerado, talvez esse não seja o mangá ideal. Mas se você gosta de histórias que tocam suavemente, com atmosferas oníricas e personagens solitários tentando encontrar sentido no caos, então Luciole Has a Dream é leitura obrigatória.
É o tipo de mangá que merece ser lido fisicamente, com tempo, olhando cada detalhe das páginas como quem caminha por uma floresta abandonada. A arte é riquíssima, quase poética, e o roteiro, mesmo em seu silêncio, carrega mais emoção do que muitos diálogos longos por aí.
Veredito Final
Nota Geral: 10
História: 9
Arte: 10
PONTOS POSITIVOS:
- Arte magnífica, com riqueza de detalhes
- Narrativa delicada e simbólica
- Atmosfera melancólica e imersiva
PONTOS DE ATENÇÃO:
- Ritmo muito lento
- Claude pode ser um personagem difícil de se conectar
- Conteúdo sensível: autolesão