A adaptação que eu esperei por tanto tempo finalmente chegou... e ela não decepcionou nem um pouco.
Preciso admitir: estou me sentindo muito bem agora — tipo aquele “eu avisei” cheio de satisfação. Depois de tanto tempo falando (quase gritando) sobre como esse mangá é incrível, ver a animação de Kowloon Generic Romance ganhando destaque e conquistando o público é, no mínimo, gratificante. A obra da Jun Mayuzuki (de After the Rain) sempre foi uma joia meio escondida, e agora parece que mais gente está percebendo isso. A adaptação, felizmente, está à altura.
Esse anime tem uma vibe muito específica: ao mesmo tempo que é envolvente e misterioso, também carrega uma melancolia romântica que pega fundo. O estúdio Arvo Animation e o diretor Yoshiaki Iwasaki parecem entender exatamente o tom do mangá. A ambientação traz uma nostalgia forte de um lugar que já não existe... mas que, nesse mundo estranho da série, ainda pulsa.
Para quem não conhece: o cenário é uma versão recriada da antiga cidade murada de Kowloon, em Hong Kong — um lugar real, demolido em 1994, que foi por décadas o local mais densamente povoado do mundo. Uma mistura de caos urbano, crime e sobrevivência, mas também lar para milhares de pessoas. Na série, acompanhamos Reiko Kujirai, uma corretora de imóveis japonesa de 32 anos, e Hajime Kudo, seu colega e possível interesse romântico. Só que o Kowloon que habitam não é exatamente o mesmo do passado. Essa é a “Segunda Kowloon”, e no céu paira um estranho objeto chamado “Generic Terra” — um octaedro metálico e brilhante que lembra muito os Anjos de Evangelion.
Aliás, vale destacar: o anime já revela, logo no primeiro episódio, uma informação importante sobre esse Generic Terra — algo que só aparece bem mais à frente no mangá (lá pelo volume 9). Enquanto na versão impressa ele é descrito de forma vaga como um “novo mundo baseado em tecnologia segura e avançada”, no anime é dito que ele pode armazenar memórias humanas e até tornar imortalidade possível. Um baita spoiler precoce, talvez consequência do ritmo acelerado dessa adaptação.
Em apenas dois episódios, foram adaptados 16 capítulos do mangá — com algumas partes cortadas. A narrativa foi condensada, sim, mas curiosamente isso funcionou muito bem até aqui. A obra original tem um ritmo bem contemplativo, até lento, o que é ótimo para leitura, mas talvez cansativo em uma série de 26 episódios. Esse corte no “slice of life” tira um pouco do charme esquisito do mangá, mas mantém o clima misterioso e nostálgico — e ainda impulsiona a trama.
O ponto forte continua sendo os personagens, especialmente Kujirai e Kudo. O anime foca muito mais no ponto de vista dela, o que funciona bem, já que a narrativa se apoia em sua percepção fragmentada da realidade. Logo percebemos que algo não está certo com ela. Seus olhos, por exemplo, não precisam mais de óculos, do nada. E sua relação com Kudo é cheia de tensão: uma mistura de carinho, estranheza e confusão.
Então vem a bomba: parece que existiam duas versões da Kujirai — a “A” e a “B”. A B era noiva de Kudo, e A... bom, A está tentando descobrir quem ela é. A diferença entre elas é sutil, mas visível: a versão B era mais confiante, usava batom vermelho, brincos, e tinha uma presença marcante. Já a Kujirai A é mais tímida e contida. A dor de perceber que talvez você não seja aquela pessoa que o outro esperava é palpável, especialmente quando Kudo a beija e, no segundo seguinte, diz que ela é “a pessoa errada”. Isso destrói qualquer um.
Felizmente, Kujirai encontra algum apoio em Yaomay, uma amiga excêntrica e direta, que traz alívio cômico e força para ela seguir em frente. Yaomay tem aquela energia de quem já se reconstruiu várias vezes e não tem paciência pra enrolação. Ela solta frases como: “Eu decido quem sou ou não sou”, incentivando Kujirai a se reencontrar — mesmo que ainda não saiba quem era antes.
E aí temos o lado mais sombrio com a presença do doutor Hebinuma — uma figura absolutamente perturbadora. Ele invade o espaço pessoal de Kujirai, tem uma língua bifurcada de cobra e claramente esconde algo. Seu arquivo descrevendo Kujirai como uma “pessoa compatível” só adiciona mais mistério a esse quebra-cabeça.
Visualmente, o anime está deslumbrante. A abertura é lindíssima, cheia de espelhos, simetrias e metáforas visuais — com destaque para o uso recorrente dos peixinhos dourados em aquário, que representam perfeitamente a sensação de estar preso em um espaço apertado, repetitivo... ou em outra vida. E a música de abertura, com uma pegada anos 80 feita por Wednesday Campanella, reforça o clima nostálgico.
O mais impressionante é como o estúdio conseguiu capturar tão bem a sensação de um lugar vivo. As vielas apertadas, cafés escondidos e becos mal iluminados realmente trazem Kowloon de volta à vida. É raro ver um anime com um senso de ambientação tão forte.
Se manterem esse nível até o final, Kowloon Generic Romance tem tudo para ser uma das adaptações mais memoráveis do ano. Só espero que não enfiem um final inventado só para fechar a temporada — torcendo aqui por uma resolução que acompanhe o fim do mangá, como fizeram com Fullmetal Alchemist: Brotherhood.
Episódios novos de Kowloon Generic Romance estão sendo lançados aos sábados na Crunchyroll.