Desde que li Anne de Green Gables pela primeira vez, ainda criança, essa história me acompanha como uma velha amiga. Minha edição está toda surrada, as páginas meio soltas, mas eu ainda releio esse mesmo exemplar todos os anos. É um ritual. Então, quando vi que uma nova adaptação em anime estava a caminho em 2025, meu coração disparou com um misto de empolgação e receio.
Depois de assistir aos dois primeiros episódios, posso dizer com tranquilidade: Anne Shirley está fazendo jus ao legado de L. M. Montgomery.
Ritmo acelerado, mas com alma preservada
É verdade que o anime está avançando bem rápido — esses dois episódios cobrem cerca de 13 capítulos do livro original. Algumas cenas religiosas, como a ida à igreja e as tentativas de Marilla de ensinar Anne a orar, foram cortadas ou resumidas. Confesso que parte de mim sentiu falta desses trechos, mas também entendo: estamos em 2025, e talvez eles não falem tanto ao público atual quanto falavam em 1908. Ainda assim, o coração da história permanece ali.
Anne é pura energia – e isso é maravilhoso
Ver Anne em ação é como reencontrar uma versão mais jovem e intensa de mim mesmo: imaginativa, dramática, cheia de sonhos e contradições. A dublagem da Honoka Inoue é impecável. Ela consegue capturar toda a energia, a verborragia encantadora e os rompantes emocionais de Anne — especialmente nas cenas em que ela explode de raiva ou se perde em devaneios floridos.
A cena em que ela pisa com força no chão, ou a delicadeza ao segurar a mão de Marilla, são retratos perfeitos do que Montgomery escreveu. Só senti falta de um detalhe: no livro, Anne se joga na cama com as botas enlameadas após brigar com a Sra. Lynde. No anime, essa parte passou batida — um detalhe pequeno, mas tão característico!
Anne e o impacto atemporal que ela carrega
Você não precisa ser uma órfã ruiva no Canadá do século XIX para se enxergar na Anne. Basta ter sido uma criança cheia de imaginação — ou, como muitos têm apontado hoje, talvez uma criança neurodivergente. Há quem estude a personagem sob o viés do TDAH, da sensibilidade emocional, e com razão: Anne tem essa intensidade que foge da norma e, por isso mesmo, toca profundamente.
Ela não é aquela heroína certinha das histórias infantis antigas. Ela erra, fala demais, exagera. Mas é impossível não amá-la. Mark Twain não exagerou ao dizer que ela era “a criança mais encantadora da ficção desde Alice”.
Marilla e Matthew: o contraste que aquece o coração
Se Anne é fogo, Matthew é brisa e Marilla, pedra. E ver essa dinâmica ganhando forma no anime é um presente. Matthew se encanta por Anne desde o começo — e a forma silenciosa com que ele defende a menina é emocionante. Já Marilla resiste, como sempre, mas o momento em que ela quase ri de um dos surtos de Anne é revelador: a armadura começa a rachar. E a cena final do segundo episódio, com Matthew lançando aquele olhar de “eu te avisei” para a irmã, é perfeita — uma troca muda que diz muito sobre o vínculo dos dois.
O que esperar daqui pra frente
Com os episódios introdutórios cobertos, minha expectativa agora é que o ritmo desacelere um pouco e nos permita respirar mais com cada personagem. O próximo episódio trará a famosa cena da ardósia quebrada e a entrada de outros personagens essenciais — mal posso esperar.
Se você também cresceu com Anne, ou se está conhecendo a história agora, recomendo muito dar uma chance a essa adaptação. Mesmo que o ritmo não te conquiste de imediato, a essência de Anne, com sua imaginação, intensidade e humanidade, continua viva. E isso, no fim das contas, é o que mais importa.