Anne Shirley – Episódio 3: O dia em que a lousa quebrou (e os corações também)
Alguns momentos da literatura simplesmente ecoam para sempre. Em Anne de Green Gables, capítulo quinze, temos um desses momentos: o dia em que Anne quebra sua lousa na cabeça de Gilbert Blythe. E o episódio 3 da adaptação traz essa cena com força emocional e fidelidade impressionante ao espírito da obra original.
Não é apenas icônico – é intenso. É um momento que carrega séculos de frustração feminina encapsulados em um gesto impulsivo de uma menina de onze anos. Gilbert chega como o garoto adorado da escola, com sua postura confiante e uma aura de superioridade que irrita profundamente Anne. Quando ele ousa puxar o cabelo dela e chamá-la de “Cenoura”, ela não apenas reage: ela explode. E é aí que a lousa entra em cena – como uma extensão da sua raiva e, também, da sua dignidade.
O interessante aqui é como a série trata essa explosão: sem melodrama desnecessário, sem exageros. Apenas a emoção crua de uma menina que passou por traumas, privações e rejeição, e que não vai abaixar a cabeça para um garoto convencido – por mais que o resto da sala de aula o idolatre. É um momento que diz muito sobre quem Anne é e sobre o que ela representa como personagem: alguém que sente profundamente e se recusa a ser diminuída.
Gilbert, por sua vez, é mostrado de forma bem humana. Ele não é um vilão – é apenas um garoto de treze anos tentando chamar a atenção da menina que o ignora, do único jeito que sabe. E quando percebe que passou dos limites, sua reação é de arrependimento sincero. A mão estendida no final, deixada no ar enquanto Anne foge, diz mais do que mil palavras. Uma metáfora silenciosa sobre as pontes queimadas por ações impensadas.
A outra metade do episódio gira em torno do incidente do broche de ametista, que revela outro lado de Anne: sua mente dramática e criativa, moldada pelos livros que leu. A maneira como ela “confessa” um crime que não cometeu, apenas para poder ir ao piquenique, mostra sua lógica peculiar e seu desejo desesperado de fazer parte de algo. É o contraste perfeito entre a Anne que pensa demais e a Anne que age por impulso.
Tudo isso é construído com sensibilidade, mostrando a confusão de Marilla diante de uma criança que ela ainda não entende completamente. A série sabe equilibrar os momentos de humor, dor e beleza com naturalidade, e é exatamente por isso que esse episódio se destaca. Há emoção nos pequenos gestos, nas palavras não ditas, e nos olhares trocados (ou evitados) entre os personagens.
Além disso, a escolha de Anne recitar Pippa’s Song, de Robert Browning, no mesmo episódio em que conhece Gilbert, é um aceno sutil para quem conhece bem a história. Um prenúncio de tudo o que ainda está por vir entre esses dois personagens que, por enquanto, só sabem brigar (ou se ignorar), mas que mal sabem o quanto terão seus caminhos entrelaçados.
No fim das contas, o episódio 3 é um lembrete poderoso de como Anne Shirley, com sua imaginação fervilhante e coração indomável, continua conquistando gerações.